Escrito por José Sérgio Carriero Junior
Prezados leitores,
Quem nunca teve dificuldades para interromper uma crise convulsiva de um paciente sem acesso venoso disponível? Será que realmente vale a pena se arriscar tentando puncionar uma veia de um paciente que está convulsionando? Existem outras opções?
Nesse post vocês vão saber um pouco mais sobre isso. Quero aqui deixar o meu abraço a todos os profissionais do SAMU de Belo Horizonte-MG. Estamos discutindo muito sobre o tema abordado nessa postagem. Não deixem de escrever nos comentários como tem sido a experiência de vocês no manejo dos pacientes que convulsionam.
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Grande abraço e boa leitura!
Introdução
Pessoas que convulsionam são frequentemente atendidas por equipes do atendimento pré-hospitalar e também por equipes que atuam nas salas de emergência. Ainda que boa parte das crises convulsivas sejam auto-limitadas, quanto mais rápido as crises prolongadas forem interrompidas (e para isso usamos medicamentos), menor a morbidade e também a taxa de mortalidade desses pacientes.
Definições1
Convulsão ou Crise Convulsiva: mudança súbita no comportamento, caracterizada por uma alteração na percepção sensorial e por manifestações motoras, causada por disparos elétricos anormais, excessivos e sincronizados em grupos de neurônios.
Ictus: período no qual a crise convulsiva ocorre.
Período Pós-Ictal: intervalo que se segue imediatamente do término da crise até o paciente retornar ao nível basal de seu estado mental prévio.
Crise Provocada: diversas condições podem desencadear uma crise convulsiva – insultos agudos aos sistema nervoso central, toxinas, drogas que diminuem o limiar convulsivo (a lista é grande, mas fique atento para os antimicrobianos da classe das quinolonas, por exemplo) e os desarranjos metabólicos (hipoglicemia e hiponatremia, por exemplo).
Crise Não-Provocada: epilepsia é uma condição de convulsões não-provocadas recorrentes. Portanto, nos pacientes epilépticos, as crises ocorrem, em geral, porque eles não utilizam regularmente os anticonvulsivantes ou por doses insuficientes destes.
Crise Parcial: também conhecida como crise focal ocorre devido a um disparo neuronal anormal limitado a determinada população de neurônios em um dos hemisférios cerebrais. É subdividida em Simples (sem mudança no estado mental) e Complexa (com alteração do estado mental).
Crise Generalizada: a mais comum é a crise tônico-clônica generalizada que é bastante reconhecida por todos nós que trabalhamos nos serviços de emergência. É aquela que inicia com uma hipertonia dos membros e músculos faciais, seguida pelo clônus dessas mesmas áreas. Tudo isso associado a alteração do nível de consciência.
Status Epilepticus (SE): crise convulsiva ≥ 5 minutos ou duas (ou mais) crises convulsivas sem que haja o retorno ao estado mental basal do paciente entre os episódios.
Status Epilepticus Refratário: crise convulsiva que não cessa mesmo com a administração de benzodiazepínicos e outra droga anticonvulsivante (que não um benzodiazepínico).
Por que uma ambulância é despachada para atender alguém que convulsiona?
Sempre deve-se ter em mente que um SE pode estar ocorrendo com a pessoa que convulsiona de maneira prolongada ou de forma recorrente. Dessa forma, tendo em vista que o tempo médio de deslocamento de uma ambulância até o local do atendimento é de 5 minutos, certamente, se o paciente continua convulsionando ou, se a crise cessou e recorre na presença da equipe durante a avaliação, trata-se de um SE.
SE é uma emergência. A crise precisa de ser interrompida. E isso ocorre, prioritariamente, com a administração de medicamentos da classe dos benzodiazepínicos.
Nem tudo que “treme” é crise convulsiva
Lembre-se sempre de dois diagnósticos diferenciais quando estiver diante de alguém que convulsiona ou que tem relato de crise convulsiva:
-Parada Cardíaca em Fibrilação Ventricular: o hipofluxo sanguíneo cerebral pode gerar movimentos semelhantes ao de uma crise convulsiva. Muita atenção a isso porque esse paciente precisa de desfibrilação e não de benzodiazepínicos.
-Crise de Origem Psicogênica: obviamente é um diagnóstico de exclusão, mas percebo que temos tido falhas em reconhecer quem realmente convulsiona. É preciso tocar o paciente e perceber mesmo a hipertonia e o clônus, além da alteração do estado mental. Alguns pacientes simulam tão bem essas condições, que realmente ficamos na dúvida e eles acabam recebendo um benzodiazepínico “de graça”, o que pode ser iatrogênico.
Manejo do Paciente em Status Epilepticus na Cena
Para interromper um SE, utilizam-se os medicamentos da classe dos benzodiazepínicos.
Em 2001, foi publicado um ensaio clínico randomizado2, duplo-cego, com 205 pacientes e que comparou Lorazepam, Diazepam e Placebo para o tratamento do SE no atendimento pré-hospitalar.
Concluiu-se que tanto o Lorazapam IV e o Diazepam IV foram melhores que o placebo e que o Lorazepam foi superior ao Diazepam. No Brasil, não existe Lorazepam IV e, por isso, o Diazepam IV (ainda) é utilizado. Porém, para isso, precisamos de um acesso venoso instalado. Tanto no atendimento pré-hospitalar quanto no paciente que chega convulsionando na sala de emergência, é muito frequente que esse paciente não terá uma via de acesso venoso disponível naquele momento. E não é nada tranquilo puncionar um acesso em alguém que está convulsionando. Gasta-se tempo e não é seguro para a equipe.
Vejamos o que um documento publicado em 20173 tem a nos dizer sobre o uso de benzodiazepínicos em SE no atendimento pré-hospitalar:
Será que isso funciona mesmo? De onde veio essa recomendação? De um estudo publicado em 2012. Um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, “double-dummy” e de não-inferioridade, com 893 pacientes e que foi realizado em serviços de atendimento pré-hospitalar nos EUA. Dois grupos de pacientes recebiam aleatoriamente ou Midazolam IM (> 40 kg: 10 mg e entre 13 kg e 40 kg: 5 mg) ou Lorazepam IV (> 40 kg: 4 mg e entre 13 kg e 40 kg: 2 mg). Os resultados foram os seguintes:
Concluiu-se que o Midazolam IM foi não somente equivalente ao Lorazepam IV para cessar crises convulsivas prolongadas, como também foi superior (a diferença de 10% do grupo Midazolam para o grupo Lorazepam demonstra isso). O principal evento adverso que é a intubação traqueal foi semelhante nos dois grupos, o que demostra a segurança no uso do Midazolam IM. Além disso, a segurança para a equipe que administra o Midazolam por via intramuscular é muito maior do que ficar tentando puncionar um acesso venoso em um paciente com SE.
Um outro estudo4 que é importante mencionar é o que comparou Midazolam com Diazepam também nos pacientes em SE no Pré-Hospitalar. Foram analisados retrospectivamente os registros de atendimento por um agência de Pré-Hospitalar nos EUA. A amostra foi de 440 pacientes que receberam Midazolam (5 mg IM e 2,5 mg IV) ou Diazepam (5 mg IM e 5 mg IV) durante o atendimento pré-hospitalar. As crises convulsivas foram interrompidas em 65% dos pacientes que receberam Midazolam e em 49% dos que receberam Diazepam (p = 0,002). Concluiu-se que o Midazolam foi superior ao Diazepam para cessar as crises.
Depois que a crise é interrompida, devemos manter outros cuidados com esse paciente antes de ele ser transportado para uma unidade de saúde para a continuidade do seu atendimento (ou se ele já estiver na Sala de Emergência, os mesmos cuidados também se aplicam):
- Posicionar o paciente com cabeceira elevada e manter oferta de oxigênio suplementar;
- Medir a glicemia capilar;
- Monitorar os dados vitais como frequência cardíaca, frequência respiratória, saturação de oxigênio e pressão arterial;
- Providenciar um acesso venoso periférico e mantê-lo viável.
Sobre a glicemia capilar, é importante mencionar um estudo publicado em 20145. Foi uma análise retrospectiva de um banco de dados de vários serviços de Pré-Hospitalar nos EUA. Foi observado que:
-
- De 2.052.534 chamadas nos serviços de Pré-Hospitalar
- 76.584 tratavam-se de pacientes com crises convulsivas
- 53.505 tiveram a glicemia capilar medida
- Somente 638(1,2%) apresentavam hipoglicemia
- 53.505 tiveram a glicemia capilar medida
- 76.584 tratavam-se de pacientes com crises convulsivas
- De 2.052.534 chamadas nos serviços de Pré-Hospitalar
Além disso, esse estudo associou a medida da glicemia capilar a um atraso significativo na administração de benzodiazepínicos (que nessa amostra de pacientes, seria a prioridade para interromper as crises convulsivas, mesmo sabendo que a hipoglicemia pode ser uma causa de crise convulsiva). Portanto, a glicemia capilar deve ser medida somente após a administração dos benzodiazepínicos, visto que a maior parte dos pacientes vai se beneficiar dessa conduta.
Para finalizar, nunca é demais lembrar que se o paciente tem relato de ter convulsionado, mas, no momento da sua avaliação, não há crise convulsiva acontecendo, não existe a indicação de administrar benzodiazepínico para esse paciente.
Em resumo:
- Status Epilepticus é uma Emergência e por isso o despacho da ambulância ocorre;
- Midazolam IM é a droga de primeira linha para Status Epilepticus no Pré-Hospitalar.
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Referências
- Teran F, Harper-Kirksey K, Jagoda A. Clinical decision making in seizures and status epilepticus. Emerg Med Pract. 2015 Jan;17(1):1-24;
- Alldredge BK, Gelb AM, Isaacs SM, et al. A comparison of Lorazepam, Diazepam, and Placebo for the treatment of out-of-hospital status epilepticus. N Engl J Med. 2001;345(9):631-7;
- Silverman EC, Sporer KA, Lemieux JM, et al. Prehospital Care for the Adult and Pediatric: Current Evidence-based Recommendations. West J Emerg Med. 2017 Apr;18(3):419-436;
- Clemency BM, Ott JA, Tanski CT, Bart JA, et al. Parenteral midazolam is superior to diazepam for treatment of prehospital seizures. Prehosp Emerg Care. 2015 Apr-Jun;19(2):218-23;
- Beskind DL, Rhodes SM, Stolz U, et al. When should you test for and treat hypoglycemia in prehospital seizure patients? Prehosp Emerg Care. 2014 Jul-Sep;18(3):433-41.
Muito bom Ze 😘
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Obrigado, Andréa!
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Excelente!
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Obrigado, Monalisa
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Parabéns pelo site
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Obrigado, Artur
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Parabéns pela matéria. Sou médico no SAMU de Formiga e tenho tido êxito na utilização do Midazolan IM no SE.
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Obrigado, João Marcos!
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